Paulo Sá

Livro digital: alternativa de leitura

Foto: Perfecto Capucine/Pexels

E-book versus livro físico, de papel, é um assunto que há décadas rende debates entusiasmados a respeito. Os argumentos favoráveis ou desfavoráveis para um ou para outro já foram discutidos à exaustão, mas parece que o consenso ainda está um pouco distante.

O mercado editorial tradicional queixou-se bastante da crise verificada em 2019, que culminou no fechamento de várias livrarias de peso, como foi o caso de algumas lojas da Saraiva, em São Paulo, e na diminuição do espaço físico da Livraria Cultura, também na capital paulista.

Já o mercado editorial do livro digital afirma que, se não registra um número considerável de vendas, certamente se descortina um 2020 promissor, com suas novas alternativas para o mundo relacionado à leitura e/ou ao texto.

Esse novo meio de leitura (e-book) surgiu em 1971, nos Estados Unidos, quando Michael Hart criou o Projeto Gutenberg, que reunia em formato digital textos que podiam ser lidos em quaisquer computadores. Foram disponibilizadas digitalmente, entre outras, as obras de Homero, Shakespeare, Mark Twain, além da Declaração de Independência dos Estados Unidos.

O interessante sobre o livro digital é que a “revolução” verificada no produto livro gerou muito mais ceticismo do que aquela que mudou a maneira de se fazer e de se ouvir música, no caso o processo do disco de vinil para o disco digital. 

E-book e as mudanças na construção do livro

 Na verdade, o ceticismo a respeito das mudanças do livro é antigo. Aqui no nosso país, começou na década de 1980 quando foram introduzidos na produção do livro os computadores, com as inovações tecnológicas, tais como programas de diagramação e de edição.

Tal novidade editorial gerou em grande parte dos profissionais da área um incômodo que perdurou por anos. Essa mudança inicial ficou restrita à construção do livro (desde o trabalho com o original do texto, que, antes tratado como lauda de papel datilografada, passou a ser digitado e salvo em arquivos de textos) e à diagramação (antes traçada em papéis quadriculados, agora realizada em modernos softwares, dando, no fim do processo, a página do livro ou da revista pronta).

A construção do livro

A construção do livro, de Emanuel Araújo, é uma obra ímpar sobre a produção de livros, indispensável para quem tem interesse nos temas pertinentes ao livro. Em sua segunda edição revista, apresenta as novas técnicas de editoração surgidas nas últimas décadas. O autor nasceu em Aracaju, Sergipe, em 1942. Foi professor da Universidade Federal da  Bahia e da Universidade de Brasília.

A discussão a respeito dessa mudança se dava deste modo: os que eram contrários a mudanças defendiam que a qualidade dos produtos iria cair; os favoráveis, afirmavam que a produção de um livro seria feita em menos tempo.

Mas não são somente os profissionais do livro que participaram (ou ainda participam) do debate a respeito do livro digital. O destinatário final do produto, ou seja, o leitor, também se manifesta. Ao serem perguntados sobre o porquê da resistência ao livro digital, os leitores respondem quase em uníssono: “Eu gosto de sentir o cheiro do papel!”.

Diante de um motivo tão subjetivo, como criar atrativos para despertar o interesse desses novos consumidores?

Livro: um produto de fetiche?

Na história da humanidade, a descoberta de novas tecnologias sempre foi um dos principais objetivos do ser humano. A roda e o fogo, por exemplo, foram uma das primeiras e são, até hoje, consideradas essenciais.

Uma terceira, também bem antiga e não menos importante, foi a imprensa, criada por Johanes Gutenberg (1400-1468), inventor e gráfico do Sacro Império Romano-Germânico. Seu sistema mecânico de tipos móveis foi determinante para a implementação da imprensa, tendo grande importância na difusão das ideias da Renascença, da Reforma e da Revolução Científica.

É fascinante a história da escrita impressa e notar como possibilitou a divulgação em massa de periódicos e livros (como exemplos, a Bíblia, o Alcorão e textos literários).

Aldo Manuzio — Editor. Tipógrafo. Livreiro, de Enric Satué é um livro que narra a trajetória de um dos maiores editores da história do livro. Aldo Manuzio, de 1500 a 1515, editou cerca de cento e cinquenta títulos inovando o modo de fazer livros. Entre suas invenções e criações estão a letra cursiva, o formato de bolso, as coleções temáticas e os conselhos editorais.

Diante desse panorama histórico, não é a toa que o livro impresso ainda cause tanto encanto nos leitores. Digamos que se perpetra nele um valor cultural mágico, que representou, durante séculos, o grande agregador do entretenimento e da difusão das novas ideias.

E-book, por que não?

O leitor tradicional continua ainda resistente ao livro digital. Mas por quê?

Sim, concordo que é muito bom ter um livro físico, bem editado e com boas imagens. Mas o livro eletrônico também pode apresentar esses mesmos atributos citados e outros mais, como áudio e vídeo, interação com outras mídias, além de controle e ajuste de brilho, cor e tamanho da fonte.

Então, qual é a grande dificuldade, ou teimosia, em ler o livro digital?  Ah!… seria a ausência daquele “cheirinho do papel” que tantos leitores argumentam?

Bem, um ponto mais do que positivo a favor do e-book que ninguém deverá discordar é a sua contribuição na democratização e na socialização da leitura.

Há diversos sites que disponibilizam conteúdos gratuitos no formato digital, tais como: www.dominiopublico.gov.br; www.amazon.com.br; www.obrasraras.sibi.usp.br; www.googlebooks.com.br; www.books.scielo.org; entre outros.

O e-book e suas novidades

Para ter contato com o livro digital, o leitor necessariamente se deparará com três itens: o software de leitura, o dispositivo de leitura e o texto (no caso, o livro em si) digitado e salvo em formatos específicos.

O software de leitura é um programa que reconhece os formatos digitais do texto (Epub, AZW, PDF e Mobi, os mais adotados no Brasil). Os principais softwares de leitura no mercado brasileiro são: Kindle for PC/Kindle Reader, da Amazon, que lê formato AZW; Adobe Reader, da Adobe Systems, que lê formato PDF; Saraiva Digital Reader, da Saraiva e Siciliano, que lê formatos PDF e Epub; e Kobo, da Livraria Cultura, que lê formato Epub.

Os principais dispositivos de leitura — apresentam dimensões, em média, 160 × 113 × 9 mm, com peso de 160 a 180 gramas — são: o Kindle, da Amazon, cujos principais modelos são: Kindle Paperwhite e o Kindle 10a Geração; o Lev, da Saraiva, que apresenta o Lev Neo e o Lev Fit; e o Kobo, da Livraria Cultura, com as opções: Kobo Mini, Kobo Touch e Kobo Glo. É bom enfatizar que esses aparelhos são exclusivamente para leitura.

KINDLE 10ª Geração

  • A luz embutida ajustável permite a leitura em lugares abertos ou fechados, durante o dia ou a noite.
  • A tela de 167 ppi proporciona uma leitura sem reflexo.
  • Você pode marcar trechos, melhorar seu vocabulário com o dicionário, traduzir palavras e ajustar o tamanho da fonte sem precisar sair da página.
  • 4 GB de espaço de armazenamento, podendo arquivar milhares de livros em sua biblioteca.
  • Dimensões: 160 × 113 × 8,7 mm

LEV FIT

  • Compatível com e-book nos formatos ePub e PDFs.
  • Tela de 6 polegadas.
  • 4 GB de armazenamento
  • Não conta com iluminação interna.
  • Dimensões: 160×113 × 8,7 mm

Entre os atrativos e vantagens do livro digital, podemos citar: economia de papel; está livre de deterioração por agentes biológicos; a portabilidade; pesquisa rápida e navegação entre textos; ajuste de tamanho e tipo de fonte; acesso a inúmeros títulos; grande capacidade de armazenamento e memória expansível por meio de cartões de leitura; o preço, pois o custo de produção e de entrega é bem inferior ao do livro físico.

A respeito dos aspectos considerados desfavoráveis ao e-book, podemos elencar a preferência do leitor pelo formato impresso, leitura cansativa, comercialização apenas via internet, analfabetismo tecnológico, necessidade de constante carregamento da bateria do aparelho leitor.

O livro digital abrindo portas…

Em meados da década de 1970, surgia um movimento literário independente, conhecido como Poesia Marginal, que chamou a atenção dos amantes da literatura e, mais precisamente, dos versos.

Os livros artesanais eram feitos em mimeógrafos, e suas folhas, grampeadas. Os autores divulgavam seus trabalhos vendendo exemplares em bares e em shows. Tratava-se de uma luta insana para que o escritor/poeta conseguisse divulgar seus versos.

Hoje, o mercado editorial está propício para que escritores iniciantes ou não se aventurem em edições independentes, como nos anos 1970, agora sob o nome de autopublicação.

Ana Cristina Cesar (1952-1983) é considerada uma das maiores representantes do movimento literário da década de 1970 conhecido por Poesia Marginal. Foi professora, crítica literária e poetisa. Sua importância na literatura brasileira foi reconhecida, ao ser homenageada em 2016 na Festa Literária Internacional de Paraty. Suas principais obras são: A teus pés (1982) e Poética (2015).

E nessa empreitada do “fazer sozinho e divulgar seu nome no mundo das letras”, o livro digital é um forte aliado.

Se para o livro impresso existe hoje a opção da impressão por demanda (do inglês Print On Demand — POD —, é a impressão de cópias determinada pelo cliente; o sistema gráfico aceita a impressão de 10 ou 30 exemplares, por exemplo), o livro digital permite ao autor produzir, em diferentes plataformas, o seu próprio material, texto, capa, diagramação e ainda disponibilizar o produto nas redes.

Assim como o universo da música mudou, desde a gravação até a sua audição, o livro também apresenta inovações. O e-book pode ser lido em smartphone, iPad ou notebook, só para citar uma novidade. Mas o fraco movimento do mercado digital de que tanto as editoras e livreiros lamentam, talvez não seja, assim, tão verdadeiro. Francamente, vejo o mundo editorial bem antenado quanto à real situação do livro digital.

Cordões de celofane é um livro de poemas lançado em 2017 pela editora Autografia que agora disponibilizo em e-book na Amazon. Publiquei pela plataforma Kindle Direct Publishing (KDP). Criei a capa e a formatação do texto digitalizado.

Citarei um fato interessante que corrobora minha afirmação.

Passeando por grandes livrarias da capital paulista, notei algo curioso: o número de clássicos da literatura nacional e mundial de domínio público sendo relançados e expostos, apresentando uma edição supercaprichada, com textos explicativos e capa dura.

Como todos sabem, a obra que entra em domínio público está totalmente livre de direitos e pode ser usada sem restrições. Portanto, quem quiser, pode editar e publicar uma obra que esteja nesses parâmetros.

[…] Uma vez que, como já foi mencionado anteriormente, clássicos da literatura em domínio público qualquer pessoa pode baixá-los ou até mesmo publicá-los, as editoras tiveram uma boa ideia ao oferecer ao público leitor a oportunidade de ter à mão grandes obras com diferencial de qualidade, apresentando uma produção editorial esmerada,  texto integral com notas explicativas e ilustrações.

A seguir, alguns exemplos dessa “boa ideia”.

O cortiço, de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, é um clássico do período naturalista da nossa literatura. A editora Panda Books lançou uma edição diferenciada da obra. Além do texto original, são apresentadas notas explicativas referentes ao vocabulário e aos cenários do Rio de Janeiro citados na história.

 


Todos os romances e contos consagrados de Machado de Assis, é um lançamento da Nova Fronteira, em capa dura, que contém, em três volumes, todos os romances e alguns contos do escritor ícone do Realismo. São mais de 1.200 páginas de pura arte literária.

 


Drácula, de Bram Stoker, um romance gótico, lançado em 1897, ganhou edição mais do que especial da editora Darkside Books. O livro, com capa dura, apresenta 580 páginas com uma primorosa diagramação. Além do texto original, a obra apresenta textos introdutórios e explicativos e ainda magníficas imagens do ilustrador Samuel Casal.


Lidar com o diferente, com a novidade, sempre causa desconforto e no caso do contato com o texto digital não poderia ser diferente.

Entretanto, não se leva em conta o que de melhor esse “novo texto” pode proporcionar: mais um meio para a leitura! O livro eletrônico é uma ferramenta poderosa aliada à cultura e, particularmente, à leitura, e não um adversário do livro de “papel”, que precisa ser derrotado.

Uma nova questão agora surge: o leitor do livro de papel, de e-book, estará receptivo ao audiolivro?

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