Paulo Sá

The Incredible Shrinking Man (O Incrível Homem que Encolheu) – filme

 Por Luiz Domingues

O gênero Sci-Fi sempre atraiu um séquito de fã às salas de cinema. Fãs de literatura e histórias em quadrinhos sempre formaram a base desse público e, diferentemente de outros admiradores dos demais gêneros cinematográficos, os fãs do gênero Sci-Fi tendem a venerar de uma forma passional, ao intensificar essa paixão para a vida, no cotidiano, e, assim, a extravasar as suas emoções sob diversas formas.

O apogeu desse estilo cinematográfico, sem dúvida, deu-se nos anos cinquenta, nos Estados Unidos. Claro que nas décadas posteriores continuou-se a filmar com entusiasmo, mas na década de cinquenta, o grande sucesso dessa tendência foi muito significativo. Além da motivação infantojuvenil que naturalmente motivava esse público cativo, houve o elemento da Guerra Fria a atormentar principalmente os norte-americanos, com o temor de um iminente ataque nuclear deflagrado por parte dos soviéticos. Daí, foi inevitável que os roteiristas de Hollywood usassem e abusassem da ideia de invasões perpetradas por alienígenas com péssimas intenções para com a humanidade, a estabelecer uma clara metáfora ao “perigo” soviético.

E outro mote muito usado, foi o da consequência de um pós-Guerra Nuclear, onde os efeitos radioativos supostamente criariam mutações em animais; insetos ou mesmo nos seres humanos sobreviventes ao holocausto, ao criar todo o tipo de deformações e aberrações, com consequências nefastas. Foi sob esse contexto que o diretor, Jack Arnold, habituado a trabalhar com o gênero, adaptou um roteiro já existente e assim filmou: “The Incredible Shrinking Man” (O Incrível Homem que Encolheu, em português), um dos mais impressionantes filmes desse gênero, dos anos cinquenta.

No livro do qual se baseou para criar o roteiro (“The Shrinking Man”, de Richard Matheson), a história é contada em flashback. Mas no filme, Arnold optou pela cronologia tradicional e o famoso (e magnífico) solilóquio final, foi um adendo por sua conta, inexistente no livro.

Sendo assim, a história versa sobre um casal comum, formado por Scott e Louise Carey (interpretados por Grant Williams e Randy Stuart), que vivem felizes e sem grandes problemas na vida.

Em um dia de veraneio, aproveitam bem o mar, a bordo de uma confortável lancha, quando inesperadamente uma nuvem passa com uma estranha poeira densa e prateada, sobre a embarcação. Nesse momento, somente o marido, Scott, é atingido, visto que a esposa estava momentaneamente segura dentro da cabine da lancha. 

Ele, no entanto, não deu grande importância ao evento, pois se limitou a limpar-se daquela estranha pasta prateada que atingira o seu corpo. Entretanto, quando voltam à sua cidade, Scott começa a notar algumas alterações físicas, que, em princípio, não associa à misteriosa nuvem.

Por emagrecer rapidamente e assim notar que as suas roupas ficaram muito folgadas, repentinamente, resolve consultar um médico. Exames são feitos e o médico não consegue fechar um diagnóstico, concomitante ao fato de que Scott encolhe decididamente.

É dramática a sequência onde sucessivas adaptações são feitas para visar dar-lhe o máximo de conforto e normalidade, mas já a medir cerca de um metro de altura, é evidente que o aspecto psicológico dele ficara completamente arrasado e não houve nenhum meio para sentir-se animado quanto a uma possível reversão do quadro, em meio a tal encolhimento continuado e inexplicado.

 

Todavia, uma esperança surge através de uma nova metodologia médica proposta, que acende a sua esperança, assim como de sua esposa.  Nesse ínterim, conhece uma artista de circo. Trata-se de uma anã, que interessa-se por ele, ao considerá-lo um anão, igualmente, sem suspeitar que o seu encolhimento tem outra razão de ser. Porém, a autoestima de Scott desaba de vez quando percebe em um posterior encontro com a anã, que está menor que ela, ao denotar que o novo tratamento fracassara. A sua história torna-se pública e a imprensa assedia violentamente a família, para tornar a experiência que já era dramática, como algo ainda pior, um verdadeiro calvário para ele e toda a família Carey.

Nessa altura, Scott já ostenta o tamanho de um boneco de brinquedo e passa a habitar em uma casa de bonecas. Em um vacilo da esposa, o gato da família ataca violentamente a casinha de brinquedo, na tentativa violente para caçar o pobre, Scott que consegue safar-se desse perigo mortal, mas ele cai escadaria abaixo, no porão da casa.

Pequeno como um inseto, vê-se às voltas com um habitat que mais parece um planeta inóspito e desolador. Na luta pela sobrevivência, adapta uma caixa de fósforos como a sua nova habitação e veste-se como um troglodita pré-histórico, mediante retalhos de tecido que descobre pelo caminho.

Fósforos; alfinetes e linha de costura passam a ser as suas ferramentas e armas de defesa. Uma inundação do ralo, ganha a proporção de um autêntico tsunami… aliás, onde ele vislumbra a última chance de resgate, pois vê a sua esposa a entrar no porão, acompanhada de seu irmão (Charles Carey, interpretado por Paul Langton), motivados pela inundação, mas claro, Scott mostra-se tão insignificante que eles nem ouvem os seus gritos desesperados por socorro.

Faminto, descobre que tem um pedaço de pão velho sobre uma mesa. A escalada rumo ao encalço da comida, é épica, como se estivesse a escalar o Monte Everest. Para piorar a sua situação, no porão existe uma enorme aranha, para os padrões dele, naquele instante, que passa a persegui-lo como uma implacável predadora.

São momentos sob enorme tensão, emoldurados por uma música tensa e perfeitamente coadunada com tal terror. Cada vez menor e mais frágil, Scott não tem como enfrentá-la fisicamente, mas ainda é um ser humano e, portanto, ao usar o seu potencial de raciocínio, monta um ardil engenhoso e a mata, finalmente.

Todavia, o processo de encolhimento não cessa e ao perceber que agora está tão minúsculo que passa com facilidade por uma grade em uma janela que dá acesso à área externa da casa, atravessa-a e então o filme atinge o clímax, com um solilóquio emocionante que extrapola as fronteiras do Sci-Fi, ao beber fortemente na fonte da filosofia.

Em meio a uma belíssima trilha sonora e com uma sequência de tomadas rápidas a evocar o espaço sideral, o pensamento de Scott Carey é narrado em voz alta, ao expressar-se da seguinte maneira:

“Eu continuava encolhendo, para virar o quê? O infinitesimal.
O que eu era? Ainda um ser humano… ou o homem do futuro?
Se houvesse outras explosões radioativas… outras nuvens indo em direção a mares e continentes… será que outros me seguiriam nesse mundo vasto e novo?

Tão próximos… o infinitesimal e o infinito, mas de-repente, sabia que havia mesmo dois fins… do mesmo conceito.
O inacreditavelmente pequeno e o inacreditavelmente vasto…
Eventualmente conhecido como o fechamento de um círculo enorme. Olhei para cima… como se de alguma forma eu pudesse agarrar os céus. O universo, mundos incontáveis. A tapeçaria prateada de Deus se estendia pela noite. E naquele momento, soube a resposta para o enigma do infinito. Eu havia pensado em termos de dimensão limitada do homem. Eu havia subestimado a natureza.

O fato da existência começar a acabar…
É a concepção do homem, não da natureza.
E senti meu corpo diminuindo… derretendo, tornando-se nada.
Meus medos desapareceram e em seu lugar veio a aceitação.
Toda essa vasta majestade da criação… tinha de significar algo.
E então, também significava algo! Sim!

Menor do que o menor…
Eu também significava algo!
Para Deus, não existe o zero.
Eu ainda existo”.

Sucesso absoluto à época, “The Incredible Shrinking Man” empolgou também os críticos na época e tornou-se um filme cultuado entre cinéfilos amantes do gênero Sci-Fi. Sem dúvida que o roteiro propiciou uma gama de interpretações análogas, as mais interessantes. São inúmeros os trabalhos acadêmicos em torno da película, ao analisá-la sob vários pontos de vista. Cabe interpretações no campo da sociologia; antropologia e psicanálise.

A ideia de um homem que se diminui perante a sociedade; família; casamento e esbarra em análises metafóricas dessa espécie, contidas inerentemente na história. A filosofia também, principalmente no solilóquio final, onde a existência da vida é posta em cheque.

Realmente, somos um grão de areia na imensidão do deserto, mas sem cada minúsculo grão, simplesmente não existiria o deserto.

Um filme incrível, e que, apesar de ser antigo e com toda a tecnologia tosca de um filme classe “B”, da década de cinquenta, emociona e faz pensar.

 

 


Luis Domingues é músico e escritor.

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