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Café: mais do que uma simples bebida!

O café e sua origem

O café, apesar das qualidades que hoje lhe atribuímos, demorou um pouco para que fosse adotado e apreciado nas mesas europeias do século XVI. Isso deveu-se a dois fatores:

  • O primeiro por questões religiosas, pois, oriundo do Oriente, na Abissínia, atual Etiópia, norte da África, região em sua maioria de muçulmanos, o café era tido como herege, pecaminoso, o qual iria contra os preceitos da religião católica.
  • O segundo fator era questão econômica, já que os mercadores de vinho viam no novo fruto um perigoso concorrente.
Foto: Café - Fruto maduro
Café – Fruto maduro/Foto: Livre/Pixabay.

Todavia, esses pontos negativos levantados por alguns não conseguiram frear o consumo da bebida no velho continente. O café — fruto do cafeeiro (coffea arabica), planta das rubiáceas —, possuidor de agradável e marcante sabor, além de seu poder estimulante, tornou-se uma bebida exótica, rara e cobiçada pelas camadas mais abastadas da sociedade europeia.

O seu sucesso em terras europeias, apesar de ser consumido apenas nas classes sociais mais abastadas, foi tão significativo que nas principais capitais vários estabelecimentos dedicados ao café foram criados, como o famoso Café Procope, em Paris. Na Alemanha, o êxito do café mereceu, por parte de Johann Sebastian Bach, uma composição musical, criada em 1732: A cantata do café.

 

O café em terras brasileiras

No Brasil, o fruto foi trazido em 1727 pelo oficial português Francisco de Melo Palheta ao retornar da Guiana Francesa. Porém, seria somente a partir de 1781 — quando o desembargador João Aberto de Castelo Branco, ao ser transferido de Belém para o Rio de Janeiro, trouxe as primeiras sementes — que começaria verdadeiramente o cultivo do café.

A primeira fase econômica do café

Foi no período do Segundo Reinado (1850-1889) que o café alcançou, pela primeira vez no país, real importância na vida econômica e política, tornando-se responsável pela recuperação da estabilidade do Império.

Apesar da certa emancipação econômica conseguida pelo bom desempenho das primeiras produções cafeeiras, o país continuava com o mesmo sistema escravista tão marcante da época colonial, o que iria colaborar, e muito, com o progresso do cultivo do café, já que a lavoura precisaria de mais braços para o trabalho.

E é justamente nesse cenário socioeconômico que o café encontrou, na cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, o lugar propício para o seu desenvolvimento.

Esse lugar era o ideal, pois:

  • apresentava mão de obra escrava em abundância decorrente da quebra da economia mineira;
  • era próximo do porto;
  • havia animais para o transporte das sacas.

Assim, o investimento inicial exigido foi bem menor que aquele que a economia açucareira requereu. Para fazer caminhar todo o sistema econômico do café eram necessários apenas tanques para a lavagem dos grãos após a colheita, terreiros para que o café pudesse ser espalhado e seco e máquinas para a triagem, por exemplo, diferentemente do complexo sistema do engenho de açúcar.

Na primeira década do século XIX, o litoral sul fluminense — Angra dos Reis e Parati, principalmente —, abrangendo também o litoral norte de São Paulo — Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião —, foi a região onde se fixaram as primeiras plantações importantes do café. No entanto, o desenvolvimento real do seu cultivo se deu na região do vale do Paraíba.

Alguns fatores de ordem geográfica determinaram o sucesso do plantio do fruto naquela região paulista, entre eles:

  • a temperatura ideal que a planta requer; 
  • chuvas bem determinadas; 
  • e região bastante acidentada, apresentando inúmeras encostas, o que protegia a plantação dos ventos fortes.

Com esses dados a seu favor, a economia brasileira, de 1830 a 1880, concentrou-se totalmente no cultivo do café. Isso se explica, pois o produto era comercializado, sem concorrência, em todo o território europeu.

O boom da produção cafeeira no vale do Paraíba proporcionou a tranquilidade econômica ao Império. Diziam, até, na época, que o “Brasil era o vale”.

Início dos problemas

Pesquisas indicavam que, entre 1821 em 1830, o café totalizava apenas 18% do total das importações brasileiras. Já de 1831 a 1870, esse número subiu para 50%, o que animou os senhores rurais, ávidos por lucro.

Essa cobiça resultou numa atividade predatória e sem limites. Não demorou muito para que o solo da região se esgotasse, fazendo com que a produção cafeeira caísse a índices alarmantes. A economia cafeeira começava a mostrar sinais de decadência, com os sérios problemas que a produção enfrentou no vale do Paraíba.

Trabalhadores na colheita do café.
Trabalhadores na colheita de café./Acervo do Museu do Café.

O café ganhou uma sobrevida no Oeste de São Paulo. A expansão cafeeira nessa região iniciou-se em Campinas, indo para Moji-Guaçu e, nos últimos vinte anos do século XIX, chegando até Ribeirão Preto.

O desenvolvimento do cultivo do café continuou firme após a Proclamação da República (1889), alcançando o centro e o extremo oeste de São Paulo e, a partir do século XX, o Paraná.

O segundo ciclo econômico do café

A característica do segundo ciclo econômico do café foi a introdução da utilização da mão de obra de imigrantes.

Se, por um lado, o sucesso da economia cafeeira representou a estabilidade do Império, por outro apresentava o enraizamento da escravidão, já que a produção cafeeira exigia mais trabalhadores para abastecer as regiões cafeeiras.

Entretanto, o momento mundial não era propício para uma nova corrida a navios negreiros, pois o trabalho livre assalariado do capitalismo industrial rechaçava qualquer ideia escravista.

As pressões mundiais, principalmente vindas da Inglaterra — pioneira da Revolução Industrial —, para que cessasse o tráfico de escravos, foram tantas que obrigaram o Brasil a acatar tal posição, promulgando a Lei Eusébio de Queirós, em 1850.

Isso fez com que a economia cafeeira, em franca expansão, pensasse em soluções para o seu quadro de mão de obra, agora deficitário.

A solução encontrada foi a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho assalariado.

A partir de 1887, foram acordados, entre Brasil e alguns países, detalhes para o início da vinda de imigrantes a terras brasileiras para suprir a falta de trabalhadores.

HHospedaria dos Imigrantes
Hospedaria dos Imigrantes (SP) — 1905/Foto: Domínio Público/Wikimedia.

No porto de Santos desembarcaram, em 1890, cerca de 150 mil trabalhadores, na sua grande maioria italianos, que eram levados imediatamente para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo. Os trabalhadores que eram ali contratados partiam para as fazendas de café do Oeste Paulista, nas quais eram tratados como escravos. Para se ter ideia da importância do trabalho do imigrante na produção cafeeira, em 1891 o café representava 61,5 % de produto exportado contra 9,9 % de açúcar.

O café se tornara um produto de rara importância econômica e política. Tanto isso é verdadeiro que a Proclamação da República é um fato intimamente ligado ao poder gerado pelo café, pois se deu pela união de interesses das camadas urbanas com os fazendeiros do Oeste Paulista e o Exército.

 

A crise do café na República

A economia cafeeira, a partir de 1875, já demonstrava nítidos sinais de crise devido à superprodução. Enquanto a produção brasileira continuava a crescer, o mercado consumidor norte-americano e europeu se retrocedia. Esse panorama espelhava uma realidade econômica em que a oferta era maior que a procura, gerando desse modo uma queda no preço, o que afetou diretamente os produtores.

Para tentar brecar esse início de crise, os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro participaram do Convênio de Taubaté, no qual, para evitar a queda de preço, decidiram contrair empréstimos no exterior a fim de comprar parte da produção que excedia o consumo do mercado mundial. Assim, esperavam que o café estocado pudesse ser liberado quando a produção fosse insuficiente. Tais medidas ficaram conhecidas como “a política de valorização do café”.

Em 1929, o café foi novamente fator preponderante para novas mudanças políticas. A crise da política de valorização do café, decorrente da grave crise do capitalismo em 1929, constituiu-se um fator decisivo para a Revolução de 30.

Os efeitos dessa crise foram vistos na retração do mercado consumidor, na suspensão do financiamento para estocagem do café e na urgência do pagamento dos débitos anteriores. Ou seja, todo o acordo acertado em 1906, no Convênio de Taubaté, estava definitivamente rompido.

A verdade é que a economia cafeeira, desde da organização do Convênio de Taubaté (1906), apresentava sinais de uma crise sem volta, e, com o passar dos anos, o que se viu foi um endividamento crescente e uma quantidade excessiva de café estocado, o que obrigou o governo, entre 1938-39, iniciasse a queima das sacas excedentes de café, chegando ao absurdo de incinerarem, no ano de 1944, cerca de 78 milhões de sacas do grão.

Av Paulista, 1891
Avenida Paulista no dia de sua inauguração, 1891 — Aquarela de Jules Victo André Martin.

 

Apesar da cultura do café no Brasil ter sempre apresentado momentos de desenvolvimento e de crise, hoje, inquestionavelmente, é um importante segmento econômico. O qual representa 15% da nossa receita cambial e cuja exportação alcança, anualmente, mais de 2 milhões de dólares.

No território brasileiro, onde são cultivados mais de 3,5 milhões de cafeeiros, distribuídos em 350 mil propriedades agrícolas, possuindo 1,5 milhão de trabalhadores, a relação social com a produção cafeeira ainda continua bastante intensa: estima-se que um em cada dez brasileiros trabalha ou vive em função do café.

Café: do grão à xícara

A primeira atitude que as pessoas (ou boa parte delas) fazem ao começar o dia é tomar uma boa xícara de café quente. Se não o fazem em casa por causa da pressa, arrumam um jeito de irem à padaria ou tomam no escritório. O que importa é o sagrado cafezinho nas primeiras horas da manhã.

Mas até vê-lo transformado naquele líquido fumegante na xícara, o café — melhor dizendo as sementes do cafeeiro (sim, são sementes e não frutos!) — passa por um processo bem trabalhoso, constituído em oito etapas.

Plantio

As duas variedades de cafeeiros mais plantadas no Brasil são as espécies arábica  — propícia para clima tropical úmido —  e robusta — planta mais resistente, adaptando-se bem a temperaturas mais elevadas.

As sementes são cultivadas em viveiros até germinar. A seguir, a muda é plantada em solo preparado e passa a ser regada continuamente e resguardada do sol direto. Ao se tornar arbusto, é plantada de modo definitivo na área determinada. Em três ou quatro anos, a planta começará a dar frutos.

Os cafeeiros da espécie arábica propiciam uma bebida de melhor qualidade e mais complexa, além de apresentar um índice de cafeína menor.  Já os da espécie robusta, são mais utilizados nos cafés instantâneo e blends, mais encorpados e apresentam o dobro de cafeína existente no arábico.

O plantio dessas espécies deve ser em solo não pedregoso nem arenoso demais, e com uma profundidade de 1 metro.

A área a ser plantada deve ser plana e um pouco ondulada. Se o espaço apresentar culturas diversas, como pastagens, o preparo da terra poderá ser manual, mecânica ou mista. Já em solos compactos, a aração deve ser feita a uma profundidade de 20 cm a 30 cm.

A espécie arábica requer uma temperatura de 18 a 22 ºC, numa altitude entre 450 a 800 metros. Já a robusta, temperaturas entre 22 e 26 ºC, numa altitude de, no máximo, 450 metros. O índice de chuva anual, entre 600 mm a 1.500 mm, é o suficiente para o desenvolvimento desses dois tipos de café.

Colheita

Essa etapa é realizada quando o fruto está na coloração cereja, sinal de que está maduro. Se for colhido antes que amadureça, a bebida perderá a qualidade.

A colheita pode ser feita de forma manual ou mecânica. É importante que essa etapa seja bem executada, pois está diretamente vinculada à questão dos custos de produção, tendo como preocupação central a escolha dos frutos maturados.

Fermentação

Após a colheita, o café é preparado para ser beneficiado. Os grãos recém-colhidos devem passar pela etapa de fermentação o mais rápido possível para evitar a deterioração. Esse processo  pode ser:

  • por via úmida —  se dá a separação da polpa e do grão. Os grãos são separados por peso e colocados em canais de água. Em seguida, eles passam por uma série de tambores rotativos que os separam por tamanho. Esse processo visa à eliminação de mucilagem que está no grão.
  • por via seca — os grãos são posicionados em redes, expostos ao sol e revirados várias vezes ao dia para que sequem por igual.

Secagem

Após a fermentação, a próxima etapa é a secagem dos grãos, pois a umidade neles ainda contida pode prejudicar a qualidade da bebida.

Secagem de grãos de café em lonas
Secagem de grãos de café. Foto: Marcus Vu/Pixabay.

A secagem mais comum é realizada em terreiros. Os grãos são colocados em mesas de secagem ou em pisos e ficam expostos ao sol, sendo remexidos a cada hora.

O processo de secagem pode durar de 8 a 30 dias, dependendo das condições climáticas.

Uma vez concluída a etapa, os grãos secos são colocados em sacos de juta ou sisal e separados para a venda.

 

Prova

Essa etapa é conhecida como “a prova do café”. Para que os fabricantes possam ter certeza da qualidade dos grãos que pretendem comprar, é necessário que profissionais especializados, conhecidos como cuppers, provem a bebida oriunda de determinados grãos.

O café chega em grãos em estado verde. Escolhe-se um pequeno lote a ser experimentado e esses grãos são torrados e moídos. A qualidade do café é analisado pelo cupper, que pode definir características como acidez, aroma e sabor.

Torra

O lote de grãos aprovado na fase de prova é encaminhado para a torra, que modifica o café verde em grãos marrons a serem vendidos.  Geralmente, para esse processo são utilizadas máquinas com temperatura elevada, que giram, distribuindo o calor por igual. A seguir, é realizado o resfriamento do café com água ou ar. A torração aumenta a complexidade química do café, que lhe dá as qualidades definitivas daquele lote de grãos.

O café, uma vez torrado, deve ser consumido logo, por isso que a etapa de torração deve ser feita perto da época da venda.

Moagem e preparo

A moagem do café tem por finalidade obter o máximo de sabor dos grãos processados. Pode ser: fina, destinada à máquina de café expresso; média, para o uso de coadores de papel; e grossa, para preparar o café na prensa francesa.

Finalmente, o preparo básico do café é fazer com que a água fervente passe pelo pó moído. Há o método de filtragem que se baseia em colocar o pó do café num coador de pano ou de papel e despejar água fervente por cima. Há também o modo percolação, em que o café é colocado no equipamento moka, a água no recipiente inferior e espera-se até entrar em ebulição e subir o líquido. No método  prensagem, conhecido como prensa francesa, coloca-se o café em um recipiente de vidro junto com água quente e coa-se o líquido por um filtro. E, por último, temos o modo pressão: o café é moído na hora e colocado num filtro, onde recebe uma pressão de água a 90 ºC durante 30 segundos. É conhecido como café expresso.

Café: conversas, artes e amizade

O sabor e o significado de um cafezinho é tão marcante e único que é justo considerá-lo mais do que uma simples bebida. Esse líquido tem sido, durante séculos, um companheiro e braço direito de muitas economias de Estados, dos pensamentos filosóficos, das discussões artísticas e do estreitamento de amizades, sem falar que o vernáculo “café” representa um espaço onde se toma a bebida, ou seja, as cafeterias.

Quantos esboços de música, de romances literários ou de simples romances pessoais e de assuntos a serem discutidos numa reunião dali a pouco foram regados a xícaras de café?

Foi em um desses cafés, em Paris, que o filósofo francês Jean Paul Sartre, reunido com Simone de Beauvoir e Raymond Aron, propôs uma ideia filosófica. Aquele Café tinha sido testemunha dos primeiros passos do Existencialismo.

Foto de uma cafeteria
Foto: Ksenia Chernaya/Pexels.

O cinema retratou com excelência a bebida. No filme A bonequinha de luxo (1961), de Blake Edwards, em determinada cena, no início do filme, Holly Golightly (vivida pela atriz Audrey Hepburn) está embevecida diante da vitrine da Tiffany, uma das mais luxuosas lojas de jóias de Nova York. A cena tornou-se clássica no cinema por um simples detalhe: Holly está tomando o seu petit déjeuner com seu copo de café e um croissant.

Outro filme que dá destaque especial ao café é Pulp fiction: tempo de violência (1994), de Quentin Tarantino. Os personagens vividos pelos atores John Travolta e Samuel L. Jackson, depois de matarem um homem sem querer dentro do carro, vão à casa de um amigo para que bolem um jeito de se livrarem do corpo. Enquanto pensam, saboreiam e elogiam o café preparado pelo amigo. Ou seja, para acalmar os ânimos e ajudar a pensar, o café é um amigo próximo.

E o que dizer das cafeterias em relação às novas amizades? Elas servem uma bebida que por si só propicia contato espontâneo entre as pessoas sentadas despreocupadas nas mesas. Mesmo embrenhadas em seus celulares, não resistem ao seu aroma, que, tal qual um ímã, as atraem em torno de uma mesa, quase sempre circular, para uma animada conversa. 

Sim! O café é mais do que uma simples bebida: é um acontecimento!

 

 


Café e música

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Café e Literatura

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