No momento, você está visualizando Chappaqua (Almas Entorpecidas)

Chappaqua (Almas Entorpecidas)

Por Luiz Domingues

Conrad Rooks foi um menino norte-americano privilegiado, pois, apesar de ter nascido em 1934, a sua família não sentiu os efeitos da grande depressão, direto na pele. Aliás, foi baseado pelo fato de sua família vender produtos criados para o tratamento da pele, que ele nasceu em um berço de ouro, pois era filho de Russell Rooks, um dos donos da indústria de cosméticos, Avon.

Mesmo tendo um futuro delineado como herdeiro e possível executivo da indústria gerida pela família, desde cedo interessou-se por cultura: literatura, cinema e música, principalmente.

Influenciado fortemente pelos escritores e poetas da geração Beat, assim que chegou na idade adulta, caiu na estrada como sugeria Kerouac em seus textos, e. respaldado pelo bolso cheio, ficou anos a perambular por países exóticos da Ásia, quando absorveu cultura e afins.

Mas também cometeu abusos nessa vida libertária ou sob libertinagem, a depender da sua compreensão sobre como pensavam e agiam os beatnicks e, por conta disso, ainda muito jovem, adquiriu uma lastimável dependência do álcool e drogas, sobretudo as com teor anfetamínico. Dessa maneira, foi parar em uma clínica de reabilitação, localizada em Zurique, na Suíça, onde se submeteu a um tratamento baseado na terapia da sonoterapia, que, segundo ficou registrado, curou-o dos vícios.

Contudo, nenhum percalço pessoal advindo de suas perturbações físicas e mentais mudou os seus interesses primordiais e, de novo apto para a vida social, voltou à Ásia, onde teve a oportunidade para morar em Nova Déli, na Índia, e Pattaya, na Tailândia.

Em 1972, a sua produção e direção em “Siddhartha” (adaptação do romance escrito por Hermann Hesse para o cinema) fez sucesso no circuito cinéfilo de arte, no entanto, essa incursão não havia sido a sua primeira experiência no mundo da sétima arte. Isso porque, em 1966, lançara “Chappaqua”, um dilacerante filme lisérgico, baseado em suas experiências pessoais com as drogas e, principalmente, em relação à sua internação.

O filme centra-se nessa internação e as crises de abstinência, os chamados “cold turkeys”, onde Rooks usou e abusou da lisergia, ao criar cenas muito perturbadoras.

A história segue o personagem, Russell Harwick (interpretado pelo próprio Conrad Rooks), que é internado à revelia e chega amarrado e em crise, em uma clínica de Paris.

Daí em diante, realidade e alucinação misturam-se, com cenas de intensa lisergia vividas na localidade de Chappaqua, a intercalar-se ao tratamento vivido em Paris. Cabe lembrar que Chappaqua é uma pequena localidade pertencente ao Estado de Nova York e era uma antiga aldeia indígena.

Figuras louquíssimas aparecem. Ravi Shankar como “Sun God”, a tocar a sua cítara maravilhosa; o grande escritor Beat em pessoa, William Burroughs (a interpretar : “Opium Jones”), que dispensa comentários; O grande músico jazzista, Ornette Coleman, como “Peyote Eater”; o guru indiano, Swami Satchidananda, a interpretar “The Guru” e o poeta Beat, Allen Ginsberg, como, “Messiah”, além do ator Jean-Louis Barrault, a dar vida para o personagem, “Doutor Benoit”, entre outras participações.

Conrad Rooks misturou as suas influências dentro de um grande caldeirão, pois a percepção dele sobre o mundo das drogas, mantém várias conotações paralelas no filme. Quer pelo viés da Beat Generation, quer pelo emergente movimento Hippie que borbulhava à época de seu lançamento do filme.

Foi o encontro entre o libertário pensamento da cerca do não enquadramento no sistema, e consequente “cair na estrada” da vida regado à jazz e anfetaminas, ao mesclar-se à lisergia com pretensão em torno da expansão das fronteiras da mente, ao culminar no enfoque místico e espiritualizado através da milenar cultura indiana e devidamente induzida pela cítara mágica de Ravi Shankar a ressoar em suas ragas. 

O filme ganhou o prêmio do júri do Festival de Veneza em 1966, além de ter tornado-se um item cultuado entre colecionadores e apreciadores da contracultura.

A ideia original de Conrad Rooks para a trilha sonora foi usar o jazz de Ornette Coleman. Isso foi encomendado ao grande artista, pois de fato, Ornette compôs uma bela suíte chamada: “Suite Chappaqua”, mas Rooks optou posteriormente em não utilizá-la na edição final, onde predominou o som da cítara de Ravi Shankar. A banda de Rock “The Fugs”, também aparece no filme. Tratava-se de uma banda cujo trabalho era calcado fortemente no deboche, através de suas letras. Inclusive, existem relatórios da CIA, onde The Fugs é tão citado quanto o The Doors, no quesito “periculosidade” ao sistema.

“Chappaqua” não é um filme construído em torno de um roteiro tradicional de cinema, com começo, meio e fim. É difícil para ser digerido e eu não recomendo assisti-lo junto de sua avó, na sala de estar da família, embora, ao pensar bem, se considerarmos que estamos em 2023, uma avó hoje em dia pode ter sido jovem nos anos sessenta, e vai saber se ela não apreciará mais do que você ?


Luiz Domingues é músico e escritor.

Este post tem 3 comentários

  1. Parabéns Luiz Domingues! Excelente resenha sobre o filme “Chappaqua” de Conrad Rooks, talvez já tenho visto, pretendo ver o mesmo, está disponível na mída pela inernet?

  2. Bruna

    Olá Paulo, gostaria de adquirir um livro que está a venda aqui, porém não consigo efetuar a compra quando vai para entrega, pode me ajudar?

    1. Paulo Sá

      Olá Bruna.
      Desculpe pelo incômodo. Apenas hoje vi sua mensagem. Qual é o livro? Darei um bom desconto.
      Entre no meu email entretexto@uol.com.br ou pelo zap 11 94487

Deixe um comentário