Por Luiz Domingues
Durante décadas, o cinema de rua fez a alegria dos paulistanos, quando, sob uma enorme profusão, esteve espalhado por todos os bairros da cidade.
Salas de todos os tamanhos, simples ou luxuosas, atraíam famílias inteiras, jovens e pessoas maduras, a criançada nas matinês, os casais de namorados e, sobretudo, cinéfilos inebriados pela sétima arte e os seus múltiplos encantos.
Em grandes avenidas como a Santo Amaro, na zona sul, e Celso Garcia, na zona leste, por exemplo, chegou-se em uma fase, em que houve diversos, sob uma grande profusão de exibições para todos os gostos. Somente na rua Domingos de Morais, na Vila Mariana, manteve-se quatro. O bairro da Penha, na zona leste, mais de cinco e no Brás, pelo menos entre seis ou sete.
Santana, Cambuci, Ipiranga, Butantã, Lapa, Perdizes, Moóca, Belenzinho, Vila Maria, Casa Verde, Tatuapé, Vila Formosa, Brooklin, Freguesia do Ó… a lista foi enorme de bairros bem servidos por salas de cinema.
E haviam também, em profusão, os cinemas étnicos! Os grandes cineastas, Carlos Reinchenbach e Rogério Sganzerla, entre outros cinéfilos, foram inveterados frequentadores dos Cine Niterói e Joia, no bairro da Liberdade, que exibia filmes japoneses e sem legendas!
De Griffith a Chaplin, Greta Garbo & Rodolfo Valentino, aqueles “Westerns” sensacionais do John Ford (incluso Howard Hawks, até Sergio Leone), épicos bíblicos (Ben-Hur a disputar corridas com bigas, Moisés a abrir o Mar Vermelho), os grandes musicais, filmões de guerra, Errol Flynn a lutar com capa & espada, Basil Rathbone a resolver casos impossíveis em sua interpretação do detetive Sherlock Holmes…
As chanchadas brasileiras da Atlântida (Oscarito e Grande Othelo a provocar filas nas bilheterias, no sábado à tarde). As comédias malucas de Jerry Lewis, 007, o espião britânico com licença para matar, Elvis, the Pelvis e seus filmes de roteiro único (Elvis canta, encanta as mocinhas e briga com os rapazes encrenqueiros, não nessa ordem, necessariamente!)…
As matinês da criançada, com desenhos clássicos das décadas de trinta e quarenta… filmes de terror da Universal ou da Hammer, os maravilhosos filmes Sci-Fi, toscos da década de cinquenta…
Já pensou em sair de casa e caminhar por poucos quarteirões para passar uma noite a assistir Fellini 8 & 1/2? Como podem ter desaparecido de uma forma desoladora, se a paixão pelo cinema não se arrefeceu e as salas insossas instaladas em Shopping Centers continuam a lotar, a todo vapor?
As razões do sumiço
São muitas as razões e somadas, talvez desemboquem mediante um funil, chamado: “especulação imobiliária”.
Culpar a popularidade da TV (e mais recentemente a explosão da internet), como diversão de massa, certamente não convence ninguém, em princípio.
Apontada logo que surgiu como vilã, a TV pode ter feito uma certa concorrência inicial, mas jamais poderia ser apontada como principal causadora do fenômeno, porque o prazer de ver cinema na tela grande, não se modificou com o seu advento, ao final dos anos quarenta (no Brasil, no início dos anos 1950). Na verdade, a decadência dos cinemas de bairro, começou para valer só na segunda metade da década de setenta.
A deterioração social e urbana do entorno das salas, só pode ser creditada à região do centro velho e talvez do bairro do Brás e, aí, o prejuízo não foi só para os cinemas, mas para todos os estabelecimentos.
Além do mais, ao seguir a decadência, muitas salas só se adequaram a esse padrão ainda nos anos setenta e passaram a exibir filmes de sexo explícito ou produção classe “Z”, mediante a projeção de filmes com o mote das artes marciais, produzidos por obscuros cineastas asiáticos.
Avanços tecnológicos são também apontados como possíveis fatores em correlato. A explosão popular do videocassete, no início dos anos oitenta, com a consequente profusão da “febre” observada em torno das videolocadoras, a chegada da tecnologia do “Laser Disc” (que instantaneamente se mostrou um fracasso comercial, de forma inexplicável), a chegada da TV a cabo, uma nova explosão com o DVD, as TV’s de Plasma e LCD; Blue Ray a desbancar tudo, 3-D a prometer maravilhas esfuziantes e, por fim, o vasto mundo da Internet via YouTube e outros tantos portais…, mas os cinemas de shopping continuaram a produzir filas e as salas de cine-clubes, idem, com o seu público mais seleto e cativo, em busca de cinema alternativo.
Dessa maneira, só podemos concluir que os fatores da segurança e falta de estacionamento, foram mais determinantes para essa derrocada das antigas salas de rua, para afastar os espectadores, que passaram a se sentir mais seguros em Shoppings (e quando lembro do caso do massacre ocorrido em uma sala de cinema do Shopping Morumbi em 1999, penso: “pero no mucho”…).
Um a um, os cinemas de bairro fecharam as suas portas e com isso, para deixar um vazio enorme, em que somente sobrou a saudade. A maioria dos espaços físicos que os abrigou, tornaram-se estacionamentos ou igrejas de orientação evangélica e alguns chegaram a passar por um estágio como bingo, quando da explosão desses estabelecimentos de jogatina desenfreada, nos anos noventa.
Causou comoção (e ainda causa, por haver esperança de reversão do quadro), a desativação do histórico cinema, “Belas Artes”, instalado há mais de sessenta anos na esquina da Rua da Consolação com a Av. Paulista. O dono do imóvel, seduzido por uma oferta milionária, não quis prorrogar o contrato de aluguel e assim desalojou, sem dó, o histórico cinema de seu endereço tradicional.
Cinéfilos promoveram diversas ações, apelaram ao poder público, especularam sobre o possível tombamento do imóvel, mas por enquanto o imóvel está fechado, a deteriorar-se de forma triste. Particularmente, eu não sou contra os cinemas de Shopping Centers.
E o que fazer?
Claro que a programação dessas salas ao estilo “multiplex” atendem uma demanda em torno dos interesses do cinema comercial, o dito: “blockbuster” e sendo assim, há pouco espaço, para não dizer nenhum, destinado à exibição de filmes não coadunados com essas produções mais populares. Todavia, existem boas salas de cinemas alternativos, nas quais essa produção mais diferenciada, tem guarida.
Independente disso, acredito que os antigos cinemas de bairro, fazem falta, sim, pois o seu charme era indiscutível e o seu valor cultural e recreativo para cada bairro, idem. Em tese, como um padrão ideal, todo bairro tem que ter a sua pracinha, um parque, uma biblioteca, um teatro, uma galeria de arte, uma escola, um hospital e… o seu cinema de rua, não acha?