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Filme: Freaks (Monstros)

Por Luiz Domingues

Em tempos de parâmetros forjados em torno da consciência de que todos somos rigorosamente iguais e de que toda forma de preconceito é algo execrável, um filme como “Freaks” parece ter sido feito hoje em dia (2023) sob encomenda. Todavia, trata-se de uma produção de 1932, ou seja, produzido em uma época na qual os conceitos e sobretudo a intenção dos produtores eram bem diferentes. 

Segundo reza a lenda em torno da produção dessa obra, após o grande sucesso de “Frankenstein”, do estúdio Universal, o maioral da companhia MGM, Irving Thalberg, pediu ao produtor, Willis Goldberg, uma história que fosse segundo a sua expectativa, “mais horripilante ainda”, para superar o concorrente.

Dessa forma, eis que surge o roteiro de “Freaks” e a indicação para Tod Browning, o mesmo diretor de “Drácula” (a versão clássica de 1931, com Bela Lugosi, no papel protagonista), para ser o seu diretor. Sobre “Freaks”, no entanto, não se tratava de uma história de terror, mas no imaginário popular e na moral vigentes no início dos anos trinta, tal abordagem desumana causava na formação de opinião do cidadão médio da ocasião, sentimentos tais como: repulsa, medo, asco generalizado… portanto, o que foi afinal das contas que tal filme causou na opinião pública de 1932?

Incrível, mas tratou-se de uma história ambientada em um circo cujas maiores atrações estariam concentradas entre pessoas especiais que ganhavam a vida a exibir as suas deformidades físicas. Muito popular na América do Norte e na Europa, os “Freak Shows” misturavam atrações circenses tradicionais com a exibição de pessoas com terríveis deformações, exibidas cruelmente como formas chocantes, daí o nome do filme, “Freaks”, que popularmente designava: “aberrações”, sob o sentido completamente pejorativo.

Na trama, descobre-se que o artista circense, Hans (interpretado por Harry Earles), um anão, é herdeiro de uma fortuna. Rapidamente, a trapezista Cleopatra (interpretada por Olga Baclanova), o seduz e apesar dos apelos de outra anã que percebe o ardil, ele deixa-se levar pela beleza de uma “mulher normal”, ao mostrar o quanto o preconceito era forte, a minar a autoestima dessas pessoas.

Amante do gigante, “Hercules” (Henry Victor), Cleopatra fica noiva de Hans e, em meio a uma festa de noivado entre os “freaks”, acontece uma das mais impressionantes cenas do filme, quando ao demonstrar união, as “aberrações” aceitam Cleopatra, uma dita mulher normal (se não se considerar a sua deformidade moral), entre eles, a entoar o côro: -“We accept you, one of us, one of us” (“Nós a aceitamos, uma de nós!”).

Esse coro ficou tão famoso após o lançamento do filme, que se tornou uma febre na América do Norte, ao ser entoado desde então, em toda situação na qual um grupo de pessoas quer demonstrar força, união etc. Aliás, é cantado até hoje em diversas situações dessa monta. No entanto, Cleopatra embriaga-se e decorrente da sua falta de freio moral, mostra como realmente pensa deixar clara a sua real repugnância ao grupo de “aberrações”, quando os expulsa da mesa sob uma demonstração de desdém por eles.

O final, bem… como muita gente não assistiu apesar de ser um filme a contabilizar mais de oitenta anos de idade, vou guardar a surpresa e não cometer o dito “spoiler”. Para resumir, era para ter sido um filme horripilante de terror na intenção de seus produtores, pois assim pensavam os formadores de opinião naquela época, ou seja, pessoas com deficiências físicas sofriam esse tipo de humilhação, a exibirem um padrão de crueldade e sordidez medieval e sendo assim, mostrá-las na tela do cinema, seria em sua concepção, uma oportunidade mórbida para humilhá-las, publicamente.

Mas os anos passaram e os conceitos mudaram, ainda bem. O tiro saiu pela culatra nesse sentido, porque “Freaks” notabilizou-se como um exemplo pungente de humanidade, solidariedade etc.

Aquelas pessoas que trabalhavam no âmbito do circo eram (são) honradas, honestas, puras de coração e a pergunta final é inevitável: quem são as verdadeiras aberrações humanas? 

 Eu recomendo o filme: “Freaks”, sem reservas. Em meu entendimento, esta obra assinada pelo diretor, Tod Browning, é um libelo sobre a dignidade humana.


Luiz Domingues é músico e escritor.

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