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Janela Indiscreta

Janela Indiscreta(1954),de Alfred Hitchcock, com James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey, Thelma Ritter. O filme narra a história do fotógrafo e aventureiro L. B. “Jeff” Jeffries que, após fraturar a perna enquanto trabalhava, se vê obrigado a ficar em uma cadeira de rodas. Confinado em seu apartamento, começa a observar, através de sua janela da sala de estar, os vizinhos do conjunto habitacional em frente. Sua “diversão” torna-se um pesadelo ao ouvir, no meio de uma noite quente e chuvosa, um grito de mulher vindo do prédio em frente. Jeff nota que depois disso não vê mais a moradora em seu quarto. O que terá acontecido a ela?

Alfred Hitchcock e a sua arte de fazer cinema

Alfred Hitchcock é muito mais que o mestre do suspense. É um cineasta que se confunde com a própria ideia de arte cinematográfica. Reassistir a seus filmes é sempre sinônimo de tempo não perdido.

No caso de Janela Indiscreta (Rear Window), baseado na novela It Had to be Murder, de Cornell Woolrich, publicada em 1942, trata-se de uma obra cinematográfica com mais de meio século de existência e que ainda nos entusiasma pelas possibilidades de análise que podem ser feitas. À época em que foi produzido, não havia nem um terço da tecnologia disponível hoje em dia. Na realidade, isso não nos faz falta alguma tamanha a qualidade da narrativa que é mostrada na tela.

O personagem principal, L. B. “Jeff” Jeffries, vivido pelo ator James Stewart, que também protagonizou outros filmes do diretor (Festim Diabólico/Rope, 1948; O Homem que Sabia Demais/The Man Who Knew too Much, 1956); e Um Corpo que Cai/Vertigo, 1958), passa o tempo todo na cadeira de rodas, com seu binóculo, bisbilhotando a vida dos vizinhos do prédio em frente.

Esse voyeurismo verifica-se durante as quase duas horas de projeção e é manipulado pelo diretor com tamanha criatividade e competência, que consegue induzir o espectador a acompanhar as ações de Jeff e a compactuar com ele.

O interessante é que as personagens próximas a ele, a enfermeira Stella (Telma Ritter), o amigo da polícia (Wendell Corey) e sua bela e sofisticada namorada Lisa Fremont (Grace Kelly) vão, aos poucos, aceitando aquela atitude de Jeff. A primeira personagem que ele tenta explicar a razão de continuar com seu ato, no mínimo, conflituoso, é Lisa, que, a princípio, disfere-lhe sérias críticas, mas, com o desenrolar dos fatos, dá razão ao namorado e acaba se envolvendo perigosamente na história.

Uma história envolvente

Em Janela Indiscreta, Alfred Hitchcock demonstra a influência que a obra do pintor norte-americano Edward Hooper (1882-1967) exerce em seu trabalho. O enquadramento das câmeras adotado pelo mestre do suspense, mostra-nos um cenário pictórico, no qual várias histórias de solidão e o dia a dia de pessoas são contadas dentro de traços geométricos, no caso as janelas do prédio vizinho. Um exemplo disso é a cena do início do filme: a da dançarina loira, a “Senhorita Torso”, como a chama Jeff, tomando café e se alongando. Comparem-na com a pintura de Hooper intitulada Night Windows,de 1928.

As cenas exibidas na tela no decorrer da narrativa são captadas de um único lugar – a sala do apartamento de Jeffreys. O diretor, para colocar o espectador mais presente na trama, faz uso da técnica câmera subjetiva, aquela em que a lente capta as imagens como se fosse o olhar do personagem. O diretor nos induz a assistir ao filme sob essa ótica, reféns do olhar de Jeff, tomando contato com as micro-histórias que acontecem naquelas dependências do prédio quase ao mesmo tempo que o protagonista.

Por meio do binóculo ou pela objetiva da máquina fotográfica de Jeff, tomamos conhecimento das vidas e dos problemas das personagens que vivem naquele prédio. O compositor, um homem solitário, de uns 40 anos, que luta para conseguir a melodia perfeita para sua música; há também o casal que, para fugir do calor, dorme fora em sua pequena varanda do apartamento; ou a mulher de meia-idade, cujo apelido, dado por Jeff, é “Senhorita Corações Partidos, e seus encontros amorosos imaginários de que participa; e um vendedor ambulante, Lars Thorwald, e sua mulher, que não sai do quarto, permanecendo sempre na cama.

Uma noite, durante uma tempestade, Jeff ouve um grito de mulher, um “não”, desesperado, que vem do apartamento de Lars, e a seguir um som de vidro se quebrando. Repara que as janelas estão fechadas. As demais estão escancaradas. Pensa, por que só a dele está fechada?

Alguns fatos estranhos ocorrem. Nessa mesma noite, de madrugada, Jeff vê Lars Thorwald saindo do apartamento com uma maleta nas mãos e debaixo de forte chuva, o que lhe causou estranheza.

A partir daí, o espectador, já envolvido com a história, segue fielmente o protagonista na saga de descobrir o que realmente aconteceu com a moradora desaparecida.

Por que ver Janela Indiscreta hoje?

Alfred Hitchcock moldou a linguagem cinematográfica do medo e do suspense. Não o medo de algo explícito, mas aquele diante das inseguranças psicológicas que todos nós temos. O seu suspense não culmina em “susto” que o espectador possa levar ao assistir a determinada cena, e, sim, caminha até a quebra de expectativa diante de algo inusitado.

Para que gerasse esses momentos de tensão no espectador, o diretor utilizava a técnica do close do rosto dos atores e atrizes, captando suas interpretações faciais de medo, espanto ou agonia e a associação da música com a iluminação para completar o clima ideal à cena.

Alfred Hitchickock

Apesar de Janela Indiscreta  ter tido como base a novela de Cornell Woolrich, o roteirista John Michael Heyes e o próprio Hitchcock trabalharam muito na formatação final do texto. Na história original, há somente dois personagens: aquele que observa e aquele que é observado.

O resultado dessa união foi a construção de uma história com personagens ricos, verdadeiros e inesquecíveis, que, aliás, venceu o prêmio da Academia no quesito Melhor Roteiro.

Alguns toques geniais que você precisa ver ou rever

No início do filme, a apresentação do personagem Jeff é feita apenas por imagens. São mostradas as fotos dispostas pela sala, retratando atividades e um pouco de sua vida. Uma em especial é destacada pela câmera, aquela que retrata o desastre dos carros de corrida, responsável pela fratura de suas pernas. Outra cena de destaque dentro desses 10 minutos é a da dançarina, que toma seu café, dançando e alongando-se sensualmente. Esses momentos são narrados sem um diálogo sequer.

Na sequência do filme, a suposição de que Lars Thorwald matou a mulher se materializa na cabeça de Jeff. O espectador, cúmplice das ações do protagonista, compartilha a ideia de assassinato. Porém, uma cena curta e simples quebra a expectativa, levando o espectador a ficar em dúvida quanto à veracidade daquele crime. A câmera mostra o suspeito saindo de seu apartamento acompanhado de uma mulher. As lentes de Hitchcock captam essa imagem e imediatamente exibe Jeff dormindo em sua cadeira de rodas, ou seja, ele não testemunha aquele fato.

O cinema atual de suspense e de terror tomaram como base e estrutura o trabalho de Alfred Hitchcock. Apenas para enfatizar sua importância, citemos uma série recente que está passando aqui no Brasil: Bates Motel, inspirada em Psicose, outra obra-prima do diretor.

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